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Ébola - Falemos claro!

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 Foto: Alfredo Cunha

 

As origens do Ébola…

 

Foi em Yambuku, próximo do rio Ébola na República Democrática do Congo (RDC), então Zaire, que a 1 de setembro de 1976 foi identificado pela primeira vez o vírus do ébola e que em simultâneo surgia no país vizinho, Sudão.

Esta primeira epidemia de doença por vírus Ébola (então designada de febre hemorrágica por ébola) provocou 431 mortos em 602 casos, despertando a comunidade científica para uma nova ameaça para a saúde pública, com contornos francamente desconhecidos e com taxas de letalidade preocupantemente elevadas (88% no Zaire).

Este alarme inicial não despertou interesse político dos países de alto ou médio rendimento, uma vez que a doença estaria confinada aos países mais pobres, sem qualquer indício de que a doença se viria a propagar além-fronteiras. Foi assim relegado ao esquecimento, não se promovendo o mínimo esforço na investigação da doença e meios de tratamento adequados, por falta de rentabilidade do investimento necessário.

Foram identificados entretanto e até ao momento 5 subtipos do vírus ébola: Ébola ou (Zaire), Sudão, Bundibugyo, Reston e Taï Forest, sendo que os três primeiros e particularmente os subtipos Ébola (Zaire) e Sudão, são os que apresentam maior preocupação dado o seu historial epidémico, com elevada mortalidade associada.

A epidemia atual deve-se ao subtipo Ébola, o primeiro a ser identificado e que, desde a sua descoberta e sem contabilizar os dados da epidemia atual, já foi responsável segundo o CDC (Centers for Disease Control and Prevention), por 1445 casos dos quais resultaram 1086 mortes (letalidade de 75%). Segundo a mesma fonte, no dia 27 de outubro de 2014, a epidemia atual já ultrapassava toda a sua carga histórica, com notificações acima de 13676 casos, 4910 mortos, espalhados pela Guiné-Conacri, Serra Leoa e Libéria. Outros países já notificaram casos, no entanto em quantidade reduzida e na sua maioria, casos importados (Nigéria, Senegal, EUA e Espanha).

 

A doença manteve-se relativamente desconhecida do público em geral até ao ano de 1995 quando, após nova epidemia no Zaire, com taxa de letalidade superior a 80% e responsável por pelo menos 254 mortes confirmadas, foi realizada uma adaptação da doença às peliculas de Hollywood, através do filme “fora de controlo” inspirado pelo vírus do ébola, introduzindo também conceitos da doença puramente provenientes da ficção científica.

 

Como se transmite?

O ébola não se transmite pelo ar (como por exemplo o vírus da gripe). Transmite-se sim, através do contacto direto ou indireto de fluidos contaminados com as mucosas ou lesões cutâneas. Deste modo, o contágio requer obrigatoriamente o contacto com fluidos contaminados (por exemplo suor, saliva, fezes, vómito ou sangue), de modo direto (contacto direto com os fluidos) ou indireto (contacto por exemplo, com lençóis ou superfícies contendo fluídos contaminados), sendo ainda necessário que estes acedam a uma porta de entrada, sejam mucosas (olhos, boca, mucosa genital) ou lesões cutâneas (feridas). O contágio é feito por doentes (só em fase ativa da doença), cadáveres e sémen de antigos doentes (durante um período de 3 meses). Para além deste tipo de contágio, existem ainda os animais selvagens (macacos e antílopes, por exemplo) que podem transmitir a doença ao servirem de alimento ou quando mordem o ser humano e acredita-se (embora sem comprovação) que o morcego será o reservatório da doença, ou seja, aquele que a transporta sem adoecer.

Os sintomas da doença aparecem habitualmente entre 8 a 10 dias após contágio, podendo no entanto ocorrer nos 2 a 21 dias subsequentes. Só nesta fase é que o doente poderá transmitir a doença a outras pessoas. Os sintomas iniciais semelhantes a uma gripe (dor de cabeça, febre), rapidamente evoluem para uma situação complicada, apresentando diarreia, vómitos, falta de apetite e inflamação da garganta. Em 50% dos doentes surge ainda o exantema maculopapular, uma alteração cutânea marcada por vermelhidão local através de pequenas pápulas, como ocorre por exemplo no sarampo.

De 5 a 7 dias após a ocorrência dos primeiros sintomas, alguns doentes poderão experienciar o agravamento da situação com a entrada na fase hemorrágica da doença. Esta fase caracteriza-se por hemorragias externas ou internas, podendo levar a falência multiorgânica resultando, em último caso, na morte do doente.

 

O combate à epidemia

A situação que os países atravessam de momento mantém-se dramática. A ação inicial foi mais uma vez negligente, irresponsável por parte dos países mais desenvolvidos, mantendo o assunto na gaveta por ser mais uma epidemia de risco inócuo para os seus territórios. Ter-se-ão enganado? Para já não se enganaram, uma vez que os casos notificados são importados e não autóctones, mas já se assustaram o suficiente para desbloquear a atenção, meios e fundos ao combate à epidemia nos países onde cresce de dia para dia.

Não existe tratamento antiviral específico para a doença, com exceção dos soros experimentais que utilizam anticorpos desenvolvidos por sobreviventes da doença. No entanto, para além da sua disponibilidade reduzida, este tipo de tratamento mantém-se relativamente pouco estudado, desconhecendo a sua efetividade através de ensaios clínicos.

O tratamento da doença visa apenas, e não mais, combater os sinais e sintomas que vão surgindo ao longo da sua evolução. Manter um bom aporte de líquidos por via endovenosa, um bom equilíbrio de eletrólitos, bons níveis de oxigénio e uma pressão arterial estável, são um conjunto de boas medidas que devem ser desde o início atendidas, com vista à melhor probabilidade de sobrevivência do doente.

As vacinas desenvolvidas ainda não estão completamente testadas, não se sabendo ainda se irão ou não resultar. Apesar de duas vacinas distintas estarem num caminho promissor para a resolução do problema, desconhece-se se chegarão a bom porto bem como quando estarão efetivamente disponíveis para vacinações em massa, nos povos afetados pela doença.  

É por isso que o combate à doença está longe de terminar, desconhecendo-se o eventual desfecho que terá. De acordo com a base de dados Financial Tracking System, o financiamento internacional disponibilizado até ao momento para o combate à epidemia permite cobrir apenas 41% das necessidades identificadas. Para além da disponibilidade de serviços de saúde específicos para o tratamento do ébola, outros setores terão de providenciar resposta para que se consiga inverter a mortalidade observada. Os setores alimentar e de água, saneamento e higiene desempenham também um papel importante no combate ao ébola.

A alimentação visa o bom aporte nutricional a uma população que apresenta per si níveis de desnutrição crónica acentuada. A nutrição representa uma transversalidade entre saúde e doença, ou seja se é verdade que uma pessoa desnutrida está muito mais suscetível a doenças infeciosas, bem como aos próprios efeitos adversos da doença, o inverso também se observa pelo que garantido melhor aporte nutricional às populações afetadas, obter-se-á uma melhor proteção natural e consequente aumento de sobrevivência à doença.

A água e saneamento por sua vez trabalha aspetos de transmissão da doença. É sabido desde o início da saúde pública, que o saneamento do meio representa uma peça fundamental quando se aborda qualquer doença transmissível.

Países com fragilidades severas nos sistemas de água e saneamento do meio, tais como enfrenta a Guiné-Conacri, Libéria e Serra Leoa, são fatores que levantam por si o risco de contágio dentro do agregado familiar e própria comunidade. O Banco Mundial estima que o acesso a latrinas ou outras estruturas sanitárias melhoradas localiza-se entre os 13-19% nos países em questão e o acesso a água potável varia entre os 60-75%. A defecação ao ar livre, a utilização de águas contaminadas por possíveis fluidos de doentes e a própria aplicação de rituais fúnebres com práticas de risco, tais como lavar com as mãos os cadáveres dos entes queridos, surgem como potenciadores extremos do contágio.

Há assim, que assegurar um meio ambiente mais seguro, garantindo às populações afetadas um melhor e maior acesso a água potável, bem como incidir em práticas de prevenção da doença, com adesão populacional.

A doença por vírus ébola passou de uma doença desconhecida e ignorada, a uma doença preocupante e que é urgente conhecer e combater melhor. As mortes trágicas contabilizadas até ao momento poderiam ter sido evitadas, na sua maioria, se tivesse havido por parte da comunidade internacional uma resposta atempada, adequada e à escala necessária para um controlo inicial da epidemia.

O futuro parece promissor na inversão da tendência de descontrolo epidemiológico da doença, no entanto torna-se necessário que o compromisso internacional se traduza nas ações necessárias, não se mantendo apenas nas intenções e no labirinto dos entraves burocráticos.