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AMI - Age, Muda, Integra

"Sou voluntário até morrer" - José Luís Nobre entrevistado por Margarida Marante in AMI Notícias

Senta-se na cadeira à minha frente, sorridente. Mas a magreza extrema e os olhos encovados são os mesmos que vimos nas muitas reportagens sobre o Haiti em que foi solicitado a falar como responsável pela missão da AMI.

“Sou voluntário até morrer”, afirma peremptório José Luis Nobre, 55 anos, irmão do fundador da AMI, que nasceu em Luanda, estudou no Congo e mais tarde na Bélgica onde se licenciou em Ciências Políticas. Em 1993 abandonou o mundo dos negócios e juntou-se à AMI para cumprir um sonho. Recorda-se que só pôs uma condição: tratar da logística porque não é um “rato de gabinete”.Vontade aceite. Desde então já participou em 140 missões desde o Ruanda, ao Sri Lanka e Haiti donde acabou de regressar. Uma conversa esclarecedora sobre os difíceis bastidores das missões de emergência da AMI.

Qual o papel da logística numa missão de emergência?

Criar as condições necessárias no terreno, para que a equipa médica possa exercer a sua actividade. Inicialmente, trata-se de criar habitabilidade, seja uma casa ou uma tenda, arranjar um gerador e água, em suma, coisas elementares para garantir um mínimo de conforto.

Paralelamente a isto temos também de arranjar meios de transporte e contratar pessoal local como condutores, cozinheiros, intérpretes e guardas dos armazéns de comida e medicamentos. Também é preciso comprar gasolina o que é difícil e muitas vezes temos que nos abastecer nos países limítrofes.

E os alimentos, onde é que os compram?

Sempre que possível gostamos de contribuir para o desenvolvimento da economia local e vamos a zonas periféricas onde normalmente há mercados a funcionar e compramos lá o que houver.

Tenho conhecimento de casos em que não só na comida mas noutros bens essenciais tiveram que recorrer a terceiros países…

Sim, foi o que sucedeu em Timor e no Ruanda. Lembro-me também que no Iraque fomos obrigados a ir à Jordânia alugar um camião e carregá-lo de medicamentos. Também já comprámos meios de transporte porque num cenário de tragédia há uma enorme vantagem em estar no grupo dos cinco ou seis primeiros a chegar ao local.

Por norma os medicamentos também não vêm de Portugal?

O problema dos medicamentos é sempre o transporte. Em casos de catástrofes naturais optamos por adquirir os medicamentos localmente, embora sejam mais caros. Em países em guerra é diferente, não há medicamentos e temos de arranjar maneira de os levar até lá.

Quais foram as principais dificuldades logísticas no Haiti?

Inicialmente estivemos integrados na Força Portuguesa Conjunta e esta providenciou-nos alojamento. Quando saíram as coisas complicaram-se.

Porquê?

Estávamos instalados na zona do aeroporto e tivemos que sair. Assim sendo, desmontámos todo o acampamento e fomos para um espaço da Ordem dos Jesuítas. Aliás é nossa política, onde quer que nos encontremos, procurar as organizações religiosas porque é mais seguro. Fazemos isso com os católicos, com os budistas ou com islâmicos.

Até quando prevê que a AMI fique no Haiti?

É uma missão para vários anos. Haverá uma fase de desenvolvimento e de reabilitação mas sem nunca abandonarmos a vertente de assistência médica.

Sei que dormiu no chão, que pouco se alimentou mas … humanamente, de tudo o que viu o que mais o marcou?

Ver um cão a devorar a perna de uma criança morta. À noite chorei sozinho. Não se deve chorar à frente da equipa para não a desmoralizar.