EPES | Espaço onde os sonhos brincam
A colaborar há mais de uma década no Espaço de Prevenção à Exclusão Social (EPES) do Centro Porta Amiga de Chelas, em Lisboa, a monitora Fátima Guedes organiza uma tarde de convívio em torno de jogos tradicionais. Cerca de uma dezena de crianças do EPES invadem o Parque da Belavista enchendo-o de risos e correrias. O Sol de Agosto também aceita o convite e junta-se à festa. Apesar da alegria, existe uma realidade oculta por detrás dos sorrisos. “A maioria destas crianças vive em contextos sociais e familiares muito complicados”, afirma a monitora. Famílias numerosas, baixos rendimentos, educação parental deficiente.
Ana* tem dez anos, aguarda ansiosamente que Fátima chame o seu número para tentar apanhar o lenço. Se a monitora gritar fogo vão todos ao molho, será mais complicado pois a outra equipa tem rapazes mais altos e velozes. Quando chegou ao EPES vinda da Índia não sabia falar português. Órfã de mãe, os primeiros dias de escola foram muito difíceis, agarrava-se à professora e chorava o tempo todo. Agora é uma aluna exemplar, passou para o 5º ano com boas notas. Gosta de estudar. Quando for grande quer ser médica “para ajudar as outras pessoas”, diz. Gosta de desenhar e pintar corações nas folhas de cartolina.
O apoio escolar é uma das valências do EPES em Chelas. “Muitas destas crianças encontram aqui um espaço fundamental para desenvolverem os seus estudos num contexto positivo e estimulante”, diz Fátima Guedes. Na sala de estudo do Centro Porta Amiga de Chelas fazem os trabalhos de casa, tiram dúvidas, preparam-se para os exames. Paralelamente, nas oficinas criativas desenvolvem as competências sociais através de trabalhos de grupo, tendo a arte, o entretenimento e a cultura como pano de fundo. Ainda há dias ficaram a conhecer alguns dos principais pintores do séc. XX e respectivas obras primas.
Em Agosto o tempo é de férias. A escola e os trabalhos de casa parecem mais distantes que nunca. No EPES de Cascais, a monitora Lucrécia Amâncio leva as crianças para o pátio do Centro Porta Amiga para saltarem à corda e brincarem ao ar livre. “É importante que as crianças possam ser crianças”, diz. Minutos antes identificaram fotografias com monumentos e personagens histórias. Agora divertem-se.
Nuno* é um dos mais extrovertidos e sorridentes. Aos dez anos gosta de escrever. “Quando for grande quero ser poeta”, responde sem hesitação. Um sonho nascido na sala de aulas. A professora pediu à turma um texto sobre uma árvore. Nuno produziu um poema, recebeu aplausos e descobriu a sua vocação: a escrita. Paralelamente gosta de dançar e ouvir música. Michael Jackson é a referência. Passou para o 6º anos de escolaridade.
A trabalhar na Porta Amiga de Cascais há 11 anos, Lucrécia já reencontrou crianças que acompanhou no EPES agora transformadas em adolescentes e jovens. Recorda vários rostos e vidas, em particular o Rodrigo*. Um rapaz bastante agressivo, conflituoso com os colegas, incapaz de interagir em grupo de forma pacífica. Foi necessário um acompanhamento muito próximo da monitora e também de uma psicóloga. A mãe era toxicodependente. Rodrigo vivia num contexto familiar bastante complicado. Actualmente é uma paz de espírito, “um doce”, diz a Lucrécia. Acompanha a avó para todo o lado, sorri e já pensa em ser voluntário numa instituição de solidariedade social.
A AMI inaugurou o primeiro EPES no Centro Porta Amiga de Cascais em 1996. Seguiu-se Chelas, em 1999, e mais recentemente em Vila Nova de Gaia, em 2000. Ao longo do ano passado estas três estruturas apoiaram 103 crianças.
*nome fictício