Em nome da Europa, de África e do Médio Oriente, acuso!
A imigração em massa em direção à Europa ainda agora « vai no adro ». E é bom precisar que apenas 10% da população em fuga de África e do Médio Oriente consegue chegar ao Mediterrâneo. Os restantes 90% tornam-se ou deslocados nos seus próprios países (IDP) ou refugiados nos países vizinhos, eles próprios incapazes de absorver todas essas famílias em debandada.
Quais são as causas profundas destes êxodos? Como controlá-los e transformá-los de maior desafio a curto prazo para a Europa numa oportunidade excepcional de acabar e compensar os terríveis erros que nós, os «ocidentais», como principais responsáveis, temos vindo a cometer nas últimas décadas ?
Mas isto antes que este enorme desafio degenere no maior pesadelo para a Europa desde o fim da II Guerra Mundial, com o regresso em força de regimes fascistas e o desencadeamento de uma III Guerra Mundial, cujo maior preço será pago pela Europa por não ter sido capaz de se constituir como o terceiro pilar global do Mundo, e estabelecer o equilíbrio necessário com o pilar norte americano (ou anglo-saxónico) e o pilar asiático que se vem construindo a todo o vapor (enquanto o quarto pilar – africano – não venha a construir-se um dia).
A mesa redonda que é o Mundo, com os seus quatro indispensáveis pilares, alcançaria então a estabilidade e harmonia ao contrário do caos para o qual nos estamos todos a encaminhar.
E o mais dramático é que o cenário migratório já em curso, e insustentável a menos que seja feito um diagnóstico correto seguido de um tratamento adequado, já era previsível há trinta anos ( jamais esquecerei o encontro que tive em Washington com o antigo Secretário Geral da OCDE, Sr. Jean Bonvin, há cerca de quinze anos, que me disse então que vinte a vinte e cinco anos mais tarde iríamos assistir à maior vaga migratório global de toda a História), tal como eram previsíveis as alterações climáticas (basta lembrar que a Cimeira do Rio data de 1992! ), sem que nada, ou muito pouco, tenha sido feito para prevenir as duas maiores catástrofes humanitárias em curso.
Qual a origem do fluxo migratório massivo em direção à Europa e quais as suas causas profundas?
A deslocação em massa das populações em direcção à Europa, provenientes de África, do Médio Oriente e da Ucrânia não têm outra causa senão o medo, o terror, o mais profundo desespero quanto ao futuro, a insegurança física, hídrica e alimentar… Já só se trata de sombras, de mortos-vivos em movimento, pois já nada têm a perder e nós retirámos-lhes qualquer esperança num futuro viável nos seus países e regiões de origem.
E porque é que esse terror e esse sentimento profundo de inexistência não lhes faz temer a morte durante o êxodo? Porque, de facto, já se consideram mortos-vivos, sem mais nada a perder? As causas profundas são simplesmente os conflitos que nós provocámos por razões geopolíticas puras e duras, acreditando ingenuamente (e tenho sérias dúvidas sobre esse sentimento) que poderíamos impor democracias «à la carte» e «à bomba»… Passêmo-las então em revista:
A - Conflitos versus «Democracia à bomba»
- A pseudo primavera árabe com, in fine, tal “cereja em cima do bolo”, a destruição total, o desmembramento e o caos da Líbia que provocou a mais absoluta insegurança na região do Sahel.
- A destruição do Iraque, da Síria (após a zizania semeada no Afeganistão e, por ricochete, no Paquistão), conseguiram instalar o caos total, o que está sem qualquer dúvida na origem e desenvolvimento do DAESH / Estado Islâmico / ISIS, com a conivência e o apoio direto da Arábia Saudita, dos Emirados Árabes e da Turquia, bem mais perigosos a curto prazo para a Europa do que a Al-Qaeda!
- A ingerência na Ucrânia com o objetivo de fazer uma afronta à Rússia, violando e usurpando o poder constitucional então existente. Em vez de incluir a Rússia na Europa em 1989/1991 (queda do muro de Berlim e implosão da União Soviética) o que seria indispensável (população, valores cristãos e culturais, geoestratégia, energia, capacidade militar) para a construção de um verdadeiro pilar europeu, mas que os governos alemão, polaco, norte-americano e dos países bálticos nunca quiseram aceitar, a Europa (UE) e o Ocidente tudo fizeram para diminuir, humilhar e afrontar a Rússia conseguindo, como único resultado, uma enorme ameaça para o Continente Europeu. Como foi possível energúmenos ignorantes acreditarem poder retirar a Crimeia à Rússia?! Meus Senhores, vão rever a História…
B - Subdesenvolvimento e pobreza/miséria crónicas e estruturais em África
E no entanto o bem informado e sábio René Dumont já tinha feito soar o alarme a partir de 1960 nos seus magníficos livros «L’Afrique est mal partie» (A África começou mal) e «Au nom de l’Afrique, j’accuse» (Em nome de África, acuso).
Os últimos quarenta anos «de ajuda ao desenvolvimento», devido au binómio «corruptor/corrupto» amplamente utilizado, assim como a ignorância e a incapacidade de estabelecer objetivos concretos a curto, médio e longo prazo em África, que beneficiassem as populações e não os seus dirigentes corrompidos, foram particularmente desanimadores, dececionantes e prejudiciais. Praticamente nada mais ficou dessa ajuda ao desenvolvimento a não ser os eufemismos de apelação desses países que passaram de «subdesenvolvidos» a «menos avançados » a, finalmente, «em vias de desenvolvimento »… Tanta asneira arquitetada nas torres de marfim de certos iluminados, pseudo estrategas e peritos em desenvolvimento que mais não conseguem ser senão indiferentes e insensíveis.
A verdade é que, desde as independências, o fosso norte-sul só se aprofundou (basta para isso comparar o PIB per capita, com todas as insuficiências que encerra, entre a Europa e a África de então e de hoje) na medida exata em que o desespero e a desesperança aumentaram a sul. E conhecedor que sou de 47 dos atuais 54 países do Continente Africano, sei exatamente do que falo…
África, com a conivência da maioria dos governantes, foi repartida à régua e pilhada à nossa conveniência inconsciente. Atualmente, já não tendo a Europa mão no jogo, está a ser cada vez mais confrontada com novos e poderosos «adversários », nomeadamente em África: China, Índia, Japão, etc.
C - Alterações climáticas
Os seus efeitos nefastos já estão em curso um pouco por todo o Mundo mas, a curto e médio prazo, tornar-se-ão verdadeiramente catastróficos em África.
Conhecidas as causes e estabelecido o diagnóstico, impõe-se aplicar um tratamento realmente eficaz ainda que o seu pleno efeito só possa conseguir-se daqui a vinte anos.
Actualmente, dezenas ou centenas de milhares de pessoas estão em movimento ou olham para a Europa como o último “El Dorado” possível. Mas rapidamente vão-se multiplicar exponencialmente de três direções principais :
- África com os seus três eixos de penetração (Somália, Eritreia, Etiópia, Egito ou Sudão por um lado; Líbia, Tunísia, Mali, Nigéria, Chade, República centro-africana, Congo ou Burundi por outra parte e, por último, através de um terceiro corredor, Senegal, Mauritânia, Guiné, Libéria, Marrocos ou Argélia)
- Médio Oriente com sírios, afegãos, paquistaneses, curdos, iraquianos ou palestinianos
- Ucrânia…
A Europa está-se a constituir cada vez mais como uma fortaleza: muros, arame farpado, medidas securitárias, nomeadamente militares, sucedem-se! No entanto não é certamente essa a solução, tanto mais que, como a História nos ensina e como não me canso de repetir ad nauseum há anos, «não há montanha inacessível, nem obstáculo intransponível, nem fortaleza inexpugnável»: a muralha da China foi vencida pelos mongóis, o Crac dos Cavaleiros Cruzados na Síria foi ocupado, a fortaleza de Constantinopla foi tomada pelos otomanos, o desembarque foi possível na Normandia… E estes são apenas alguns exemplos.
Então que fazer ?
- Parar de provocar conflitos à volta da Europa, seja na África do Norte, no Médio Oriente ou na Ucrânia… e, na medida do possível, com equidade e transparência, tentar acabar com as catástrofes e repor todos esses comboios descarrilados nos carris. Para tal seriam, evidentemente, necessários homens/mulheres políticos com conhecimento, visão estratégica, sentido de Estado e de diálogo, vontade, determinação e sensibilidade humana, e não ignorantes aprendizes feiticeiros com vistas políticas curtas.
- Estabelecer um verdadeiro «Plano Marshall» de pelo menos dez milhões de milhões de euros para África, Médio Oriente e Ucrânia, geridos em três fases: Urgência – Reabilitação – Desenvolvimento, para os próximos dez anos. Loucura? De maneira nenhuma, se pensarmos que o “clash” financeiro absorveu muito mais desde 2008. Gerido de forma transparente, assim que for anunciado inequívoca e responsavelmente, faria renascer a esperança nas três regiões de onde nos chegam todos os desanimados e mortos-vivos de uma política e de uma economia irresponsáveis e assassinas. Este montante, ainda que insuficiente para reconstruir tudo o que ajudámos a destruir, serviria de motor para um verdadeiro renascimento e esperança: paz, saúde, alimentação, água, educação, agricultura, irrigação, indústrias transformadoras de matérias primas em África… Governos responsáveis e sociedades civis organizadas (derradeira fortaleza contra o Apocalipse, como muito bem o afirmou, há uma dezena de anos, Jacques Attali), em Afrique e na Europa, seriam os garantes da boa utilização desses fundos. Acabar-se-ia, tanto quanto possível, com o binómio corruptor/corrompido e com a pilhagem sistemática das matérias primas de África !
- Um plano de imigração bem estruturado e organizado para a Europa. Em involução demográfica, a Europa precisa urgentemente de mão de obra a vários níveis. Não se trata, como é evidente, de «roubar» a matéria cinzenta de África e do Médio Oriente! Trata-se de saber exatamente do que necessitamos para as nossas atividades e de receber dignamente todos esses seres humanos. Relembro aqui que África está com um crescimento demográfico anual de 2,9% enquanto a Europa não atinge os 1,4%. Só o Níger, cresce à razão de 3,9% por ano! É por isso do interesse de todos que os vasos comunicantes possam funcionar de forma controlada. África, como bem previu o Sr. Jean Bonvin, já está a por no mercado de trabalho mais jovens do que o conjunto dos seguintes países: Estados Unidos, Canadá, Estados membros da União Europeia, Japão e Rússia. Ao restabelecer a Paz, a Esperança e o Desenvolvimento a Sul e a Este da Europa, a natalidade tenderá forçosamente a baixar, o que não nos impede de lançar um plano de aumento da natalidade na Europa. É muito importante relembrar que precisamos de uma taxa de crescimento demográfico de 2,2% por ano para estabilizar a nossa população, atualmente em involução (sendo que Portugal bate o record de 1,2%) e envelhecimento acelerados. Dito isto, o plano de imigração deve também, evidentemente, prever um nível securitário que impeça a infiltração, entre os candidatos à imigração, de elementos do Estado Islâmico e outros movimentos fundamentalistas terroristas que tentam e tentarão sempre introduzir-se nos inúmeros cavalos de Troia que todos os dias desembarcam na Europa.
De facto, e em resumo, tal como qualquer bom médico age, é preciso primeiro estabelecer um diagnóstico correto e aplicar de seguida um tratamento eficaz que possa resolver simultaneamente as causas intrínsecas/endógenas e as questões extrínsecas/exógenas do drama em curso da imigração diária em massa.
Já não podemos fazer de conta que não vemos, pois corremos o risco de um dia sermos todos acusado de crime por não assistência a povos em risco e até mesmo a planeta em perigo!
Se não o fizermos desde já, são a Democracia e a Paz na Europa que estarão em causa. É simples.
Fernando de la Vieter Nobre, Presidente da AMI